Descrição - Minho

O estuário do Minho tem sido objecto de poucos estudos, não sendo possível caracterizá-lo através de dados experimentais. A definição do limite de jusante do estuário assenta por isso essencialmente nos resultados do modelo matemático.

 Descrição do estuário

O rio Minho nasce em Espanha na serra de Meira, e desagua entre Caminha e A Guarda, após um percurso de 300 km. Nos últimos 70 km delimita a fronteira entre Portugal e Espanha. O estuário do rio Minho (Figura 1 ) constitui uma zona húmida de grande valor ecológico. Desde 1986 é reserva de caça e foi listada na convenção de RAMSAR (1971) para a conservação de zonas húmidas. Uma área total de 3,4 km2, que compreende o estuário do rio Minho e a embocadura do rio Coura está incluída na lista de locais portugueses na Rede Natura 2000. A faixa litoral que se estende para sul da foz (litoral de Moledo) corresponde a um espaço classificado como área de interesse para a conservação da natureza pelo projecto Biótopos/Corine (Costa Verde) e que tem sido igualmente proposto na lista nacional de sítios da Rede Natura 2000 (Costa de Viana) (INAG, 2000).

 Morfologia

O limite médio de penetração da maré situa-se aos 35 km, a montante de Valença do Minho (Vilas & Somoza, 1984). O estuário alarga nos últimos 15 km e volta estreitar na embocadura pela presença do monte Santa Tegra e pelo desenvolvimento de um banco de sedimentos. Na zona mais larga (cerca de 2 km), tem lugar uma dinâmica complexa resultado da interacção de processos fluviais e marinhos. Nesta zona, a maior parte do escoamento concentra-se num canal principal sinuoso, limitado por bancos de areia de diferentes origens. Na embocadura do estuário, as ilhas Insua Nova e Insua Velha delimitam dois canais (norte e sul), que determinam a forma do escoamento. As profundidades máximas localizam-se na embocadura, onde o canal tem uma profundidade de 4 m abaixo do zero hidrográfico. Grande parte dos sapais e bancos de areia só são inundados nas preias-mares das marés vivas.

Os bancos de areia estão em continua evolução. A construção de barragens a montante desde os anos 60 limitou as pontas de cheia e incrementou a sedimentação no estuário. Após o estabelecimento duma linha de ferry entre as localidades de Caminha e O Pasaxe em 1994, realizam-se dragagens periódicas para permitir o tráfego, o que tem alterado a dinâmica sedimentar (Torres et al., 1997 e 2000).

Figura 1:  Estuário do Rio Minho, na fronteira entre Portugal e Espanha. As coordenadas do ponto central são: Longitude   W 8° 46' 26'' Latitude   N 41° 55' 8''. 

Nas margens do estuário estão localizadas importantes manchas de vegetação (matas ripícolas, caniçais, juncais), que albergam uma avifauna muito diversificada. Na embocadura do rio Tamuxe, existem caniçais e barras de lama vegetadas (denominadas ‘morras’ na zona). As três maiores estão sujeitas a erosão, e as menores formaram-se recentemente (a partir de 1959) depois da construção de barragens a montante (Vilas & Somoza (1984)). Ao sul do estuário, na desembocadura do rio Coura, tem-se desenvolvido uma extensa zona de sapais.

 Dados de campo

Existem poucos dados de campo e estudos do estuário do Minho. Vilas e Somoza, 1984, realizam um estudo geológico, aonde identificaram as direcções principais do escoamento residual e descrevem sucintamente as estruturas geológicas na zona. Mediante imagens de satélite, o Laboratorio de Teledetección e SIG da Universidade de Vigo tem contribuído para a caracterização dos padrões de evolução das zonas de sedimentação desde o estabelecimento da linha de ferry (Torres et al., 1997 e 2000)

O caudal fluvial médio anual obtido de dados na estação hidrométrica da Foz do Mouro varia entre 127 m3 s-1 e 500 m3 s-1, com um valor médio de 300 m3 s-1 (INAG, 2000). Não existem dados de caudais dos afluentes que desaguam na zona do estuário (Coura, Tamuxe, Louro...). Eles são no entanto muito inferiores aos do Minho.

Não foram localizadas medidas de maré específicas deste estuário, durante a recolha de dados para o presente estudo. No entanto, a partir das medidas em marégrafos a norte e a sul e a partir de modelos globais e regionais de propagação da maré, pode-se dizer que a maré na zona é essencialmente semidiurna (semi-amplitude média da M2 em torno a 1 m), modulada no ciclo marés vivas – marés mortas principalmente pelas componentes harmónicas S2 e N2. O estuário pode por isso classificar-se como mesotidal. As baixas profundidades no estuário e a existência de zonas de descobertura induzem forte atrito, e a consequente deformação da onda de maré, sendo por isso de esperar que a duração da enchente seja menor do que a da vazante.

Não foram encontradas medidas de salinidade no estuário. No entanto, dado que o caudal excede em muito o prisma de maré, são de esperar salinidades baixas, com uma cunha salina na zona próxima da embocadura, cuja localização e estrutura vertical dependerá do caudal do rio e da amplitude da maré. As baixas profundidades retiram importância ao vento e aos fenómenos de upwelling - downwelling na plataforma costeira adjacente.

Resultados de modelação

A batimetria utilizada nas simulações numéricas compreende o estuário e a plataforma adjacente até a batimétrica dos 70 m, com um passo espacial variável entre os 100 m no interior do estuário e os 650 m (300 m na direcção Y) na fronteira oeste. Os dados batimétricos e a linha de costa foram obtidos das cartas nº 924, do Instituto Hidrográfico de la Marina, Cádiz, Spain, 1989, com levantamentos do ano 1963, nº 51 e nº 24201 do Instituto Hidrográfico da Marinha, Lisboa, de 1978 e 1999 respectivamente.

A evolução das localizações das ilhas vegetadas e dos bancos de areia é evidente através da comparação das cartas. A carta nº 24201 de 1999 e o mapa traçado por Vilas e Somoza (1984) foram utilizados como referência na construção da batimetria. Para a zona a montante daquelas cartas não existem levantamentos detalhados. No modelo foi considerado um canal de entrada do Rio, de 20 km de comprimento, de modo incluir no modelo toda a região sujeita a maré, permitindo usar o caudal do rio como única condição nessa fronteira.

A hidrodinâmica foi simulada para condições de caudal médio do rio (300 m3s-1), e maré média (M2). As amplitudes e fases desta componente de maré na fronteira oceânica foram obtidas a partir de um modelo global de maré (Le Provost, 1998).

Hidrodinâmica do Estuário

As velocidades máximas registam-se em vazante, na zona da embocadura, onde podem atingir 1,3 ms-1.

Uma série temporal da velocidade integrada em profundidade num ponto do canal principal é mostrada na Figura 2 . A evolução da velocidade é típica de uma maré semi-diurna. A velocidade de vazante é superior à de enchente, e a duração da vazante é também superior à de enchente. Neste ponto a velocidade residual é claramente no sentido de vazante, o que é uma consequência da razão caudal do rio/prisma de maré.

   

Figura 3: Série temporal de velocidade calculada pelo modelo num ponto do canal principal. A velocidade em vazante (negativa) é claramente superior à velocidade em enchente (positiva).

A circulação residual (fluxos) calculada por integração do fluxo transiente (caudal por unidade de largura)  mostra um escoamento contínuo dirigido para o exterior do estuário, que sugere tempos de residência reduzidos. Este escoamento era esperado depois da análise da Figura 2  e compreende-se tendo em conta  que o rio Minho tem o mesmo caudal médio do Tejo, e o estuário deste último tem uma superfície cerca de 100 vezes superior.

 

Salinidade

Distribuições de salinidade integrada em profundidade para enchente e vazante em condições médias (caudal do rio de 300 m3/s e semi-amplitude de maré de 1.01 m). A distribuição de salinidade depende da advecção de água doce proveniente do rio e da mistura com água oceânica promovida pela oscilação de maré.

O deslocamento residual da água para o mar pode ser inferido da circulação residual apresentada. Assim é de esperar que a água do rio atravesse o estuário a uma velocidade da ordem de 20 cm/s (cerca de 18 km/dia). Nestas condições a salinidade tem que ser baixa na generalidade do estuário, especialmente em maré vazia. As distribuições representadas nas figuras mostram que em maré vazia a generalidade do estuário é ocupado por água doce, penetrando a água salgada cerca de 6 km no interior do estuário (zona da afluência do rio Coura) em maré-cheia.

Figura 4: Pluma térmica do estuário obtida por imagem de satélite por (Torres et al. 1997). São visíveis os dois jactos de saída formados pela ilha Ínsua.

Em maré vazia são visíveis dois jactos de saída (um na direcção oeste e outro sudoeste) associados aos dois canais formados pela ilha Insua Nova. O jacto norte é mais longo, por aí ser maior a velocidade. A existência de dois jactos de saída também foi identificada por (Torres et al. 1997), através de imagens de satélite da pluma térmica (

Figura 4 ). Em preia-mar é visível uma pequena massa de água, de menor salinidade no litoral do Moledo, a sul da embocadura. A retenção desta massa de água está associada aos baixos valores das velocidades residuais, consequência da topografia local, sendo parcialmente renovada em cada ciclo de maré.

 Simulações com traçadores lagrangeanos

Para visualizar o escoamento foram usados traçadores lagrangeanos emitidos em caixas, em situação de preia-mar e foi seguido o seu deslocamento ao longo de dois dias. A  análise destes resultados mostra que toda a água no interior do estuário é renovada em menos de 42 horas. As duas últimas figuras mostram que a água que sai do estuário não volta a entrar. Este facto é consequência da intensidade do jacto de vazante, que expulsa a água proveniente do estuário para fora da acção do escoamento de enchente. A pouca água proveniente do estuário que volta a entrar vem muito diluída como mostra a grande distância entre as partículas localizadas no interior do estuário em preia-mar.

Se o escoamento costeiro devido ao vento tivesse sido considerado nas simulações, a probabilidade de a água de vazante voltar a entrar seria ainda inferior, por ser afastada mais rapidamente da embocadura do estuário.