Limite de jusante do estuário do Tejo | ||
Estas regiões são facilmente identificáveis na Figura 1. Na figura são também visíveis as áreas urbanizadas da região metropolitana de Lisboa.O rio entra no estuário através do “canal do rio”. Nesta zona o estuário tem cerca de 200 metros de largura e é muito pouco profundo. A água é doce em praticamente toda esta zona, mas a amplitude da maré é ainda suficientemente importante para que o sentido do escoamento dependa da fase da maré. Neste canal a maré propaga-se ao longo de 30 km, para montante. A superfície do “estuário principal” é da ordem dos 300 km2, dos quais cerca de um terço são espraiados de maré e sapais. Nesta região as actividades piscatórias têm ainda importância local. O padrão de circulação residual é complexo e responsável pela mistura intensa das massas de água. A actividade biológica é intensa, com níveis de produção primária elevados. Os espraiados de maré são habitat de grandes comunidades de aves entre as quais os flamingos ocupam uma posição de relevo. A grande maioria dos espraiados de maré e dos sapais da margem sul pertencem à “Reserva Natural do Estuário do Tejo”. O “corredor do estuário” tem cerca de 4 km de largura e 40 metros de profundidade. Neste canal a velocidade do escoamento pode atingir os 2 m/s, formando recirculações associadas à topografia quer em enchente, quer em vazante. No extremo do canal, junto ao mar, a velocidade é normalmente superior a 1.5 m/s, podendo atingir os 2.5 em maré viva. A jusante do “corredor do estuário” inicia-se a chamada “plataforma externa”. Nesta zona a largura aumenta subitamente e a profundidade diminui gradualmente, atingindo valores da ordem dos 5 metros no bordo da plataforma. O limite tradicional do estuário é localizado na secção “S. Julião da Barra – Bugio”, entre o corredor e a plataforma exterior (daí o nome da plataforma). Medidas detalhadas do caudal do rio são efectuadas desde 1973. Entre 1973 e 1990 o caudal médio do rio Tejo foi de 300 m3/s. Durante esse período o ano mais húmido foi 1978/79, quando o caudal médio foi de 5400 m3/s e o ano mais seco foi 1988/89, quando o caudal médio foi 250 m3/s. O caudal médio mínimo mensal foi 28 m3/s e o caudal mínimo diário foi de 9 m3/s (dados fornecidos pela Electricidade de Portugal SA). Os primeiros estudos efectuados no estuário do Tejo tinham como objectivo principal o conhecimento da circulação, sobretudo por questões de navegação. Em 1941 um estudo detalhado foi levado a cabo integrado num estudo mais vasto sobre as águas residuais da cidade de Lisboa (Oliveira, 1941). O "Estudo Ambiental do Estuário do Tejo" iniciado em 1978 com financiamento da UNESCO e com quatro anos de duração é o estudo mais completo levado a cabo no estuário até ao momento. Este estudo caracterizou o estuário em termos físicos, biológicos, químicos e sedimentológicos e tornou-se uma referência para estudos posteriores. Depois deste um grande número de estudos sectoriais foi levado a cabo no estuário. Em Dezembro de 2000 concluiu-se o projecto comunitário OPCOM , no âmbito do qual foi efectuada modelação intensa da circulação e da qualidade da água no estuário. O projecto foi financiado pelo programa MASTIII da DG Investigação e envolveu também o estuário do Elba (Alemanha), a baía de Marennes-Oleron (França) e o “Mar Archipelago” ,na parte finlandesa do mar Báltico. Resultados do projecto "Estudo Ambiental do Estuário do Tejo" relevantes para definir o limite de jusante do estuário. Para a definição dos limites do estuário são particularmente úteis os dados de salinidade, de sedimentos e de ictioplâncton. No "Estudo Ambiental do Estuário do Tejo", a secção “S. Julião da Barra – Bugio”, que delimita o corredor do estuário, a jusante, foi implicitamente considerada o limite do estuário, tendo a generalidade da amostragem sido feita a montante desta secção. Medidas de salinidade foram efectuadas para caracterizar a estrutura vertical e a distribuição horizontal das massas de água. Perfis verticais foram publicados nas secções representadas na Figura 3. A Figura 4 apresenta a distribuição de salinidade média de Verão e a Figura 5 a distribuição de salinidade média anual. Ambas as figuras mostram valores de salinidade muito baixos no “canal do rio”, a montante do canal principal, e gradientes baixos no “corredor”. Os maiores gradientes estão localizados no interior do estuário, mostrando que é nessa região que se faz a grande mistura das águas provenientes do rio e do mar.A distribuição de salinidade no Verão e a distribuição média anual têm formas bastantes semelhantes, sugerindo que os períodos de chuva capazes de alterar substancialmente a distribuição de salinidades, são eventos de curta duração. Medidas efectuadas no exterior do estuário mostram poucos valores de salinidade inferiores aos típicos da água do mar, sugerindo também que reduções de salinidade no interior do estuário são episódios de curta duração. Em situação de cheia a salinidade no corredor pode descer abaixo de 20‰. No “corredor” as velocidades elevadas e as excursões de maré longas geram turbulência e difusão por efeito de corte responsáveis pela mistura intensa. Em ambos os extremos desta zona são visíveis gradientes elevados identificadores de zonas de mistura. A salinidade máxima na estação III (22.6 ‰) é semelhante à salinidade mínima na estação V (21.4 ‰), mostrando que a excursão de maré é da ordem de grandeza da distância entre estas estações. Esta conclusão foi verificada usando resultados do modelo de transporte (ver capítulo sobre circulação mais adiante). A zona do limite de jusante de um estuário é também a zona de coexistência de espécies da ictiofauna que vivem exclusivamente no mar ou exclusivamente no estuário ou que vivem no estuário parte dos seus ciclos de vida. Assim, os peixes e as larvas respectivas podem ser de grande utilidade na definição dos limites de um estuário. O projecto "Estudo Ambiental do Estuário do Tejo" incluiu um estudo do ictiofauna (Ré, 1982), cujas estações de amostragem são indicadas na Figura 9. As conclusões são apresentadas e discutidas tendo em mente a definição do limite de jusante do estuário. Espécies dominantes:
A jusante da estação E7 foram encontradas exclusivamente espécies marinhas; a montante da estação E7 a biomassa de ovos e de larvas é maior que a jusante, mas a diversidade é menor. A distribuição de ictioplâncton mostra que o limite de jusante do estuário pode ser fixado na vizinhança da estação E7. O rio é a principal fonte de sedimentos, que são transportados ao longo do estuário até ao mar. Parte do material fino é depositado nos sapais e espraiados de maré e parte é exportado para o mar e depositado em áreas profundas, onde a turbulência gerada pelas correntes e pelas ondas não é suficiente para o ressuspender. Os materiais mais grosseiros são transportados sobre o fundo ao longo dos canais mais profundos. Na embocadura do estuário, as ondas e as correntes de maré originam a movimentação quase permanente de sedimentos, misturando sedimentos grosseiros de origem terrestre e marinha. A Figura 10 agrupa os sedimentos de fundo no estuário, por classes de tamanho. Na embocadura o material é grosseiro. Os sedimentos exportados pelo estuário formam uma plataforma arenosa cuja dinâmica é determinada pelas correntes de maré e pelo clima de agitação marítima. A Figura 10 sugere que a embocadura do estuário está localizada na zona de S. Julião da Barra. O alargamento súbito da secção transversal reduz a velocidade de vazante e cria condições para a deposição de sedimentos e formação dos bancos localizados em ambos os lados do canal, cuja assimetria é consequência das correntes e da agitação marítima. As ondas mais frequentes, de menor altura, propagam-se do quadrante norte, sendo as ondas de tempestade provenientes de sul. No bordo da plataforma exterior a sedimentação é intensa. A profundidade natural é inferior a 10 metros, obrigando à dragagem do canal de navegação. A Figura 11 mostra a distribuição de sedimentos na zona da plataforma continental vizinha do estuário do Tejo. Esta figura confirma a distribuição apresentada na Figura 10 e mostra que em regiões com profundidades superiores a 100 metros, se encontra de novo areia lodosa. A inexistência de materiais finos a profundidades superiores a 100 metros parece ser uma consequência da acção das ondas. Síntese dos resultados do “Programa Ambiental do Estuário do Tejo” relevantes para a definição do limite de jusante do estuário As populações de ictioplâncton apresentam características marinhas na parte jusante do corredor do estuário. Nesta região os sedimentos são essencialmente areia de granulosidade média, encontrando-se areia lodosa só em zonas de profundidade superior a 100 metros, onde a acção das ondas não se faz sentir. Vaza e areia vazosa encontram-se sobretudo na parte principal do estuário, a montante do corredor. Os maiores gradientes de salinidade foram encontrados no estuário principal. No corredor do estuário os gradientes (horizontais e verticais) são baixos, denotando a existência de mistura intensa. Na parte final do corredor, a salinidade média é superior a 30‰. A salinidade foi medida só a montante de S. Julião da Barra, zona considerada implicitamente naquele projecto como o limite de jusante do estuário. Salinidade na plataforma exterior do estuário A caracterização da distribuição de salinidade na plataforma exterior é feita a partir de dados adquiridos pelo IPIMAR e pelo Instituto Hidrográfico no contexto das seus programas de investigação e por medidas efectuadas no contexto do programa de monitorização do emissário submarino da Guia. No seu conjunto os dados - Figura 12 a Figura 14 - são suficientes para caracterizar a distribuição de massas de água nesta região. A Figura 12 mostra a distribuição horizontal de salinidade produzida a partir de dados do IPIMAR. Gradientes elevados registam-se na saída do corredor do estuário, sendo facilmente identificável um jacto de saída deflectido para a direita. Valores máximos em ambos os lados da sua raiz sugerem a existência de recirculação da água exterior do estuário em ambos os lados. A água lateral arrastada pelo jacto que sai do estuário, aumenta a sua salinidade. Este escoamento é mostrado pelos resultados do modelo hidrodinâmico descritos mais adiante. A Figura 13 mostra perfis verticais de salinidade medidos na região da Guia (no âmbito do programa de monitorização do emissário submarino). Estes perfis mostram que massas de água localizadas abaixo dos 20 metros de profundidade têm sempre salinidade da ordem de 36‰. À superfície os valores estão tipicamente acima dos 34 ‰. A Figura 14 mostra séries temporais medidas na mesma região. A figura mostra que só excepcionalmente a salinidade desce abaixo dos 34 ‰.Perfis verticais medidos no Canhão de Lisboa (profundidade da ordem dos 1000 metros) e junto à embocadura do estuário em situações de Verão, a sul do jacto de saída do estuário mostram que a salinidade no canhão de Lisboa, entre os 30 e os 100 metros de profundidade ser idêntica à registada entre os 600 e os 700 e de entre estas duas profundidades registar valores inferiores. Este perfil sugere a existência de um padrão vertical de transporte complexo. O transporte vertical - upwelling -foi adiantado como a explicação mais provável para o aumento da concentração de nutrientes no início do Verão, na Guia, junto ao fundo. Circulação hidrodinâmica na embocadura e plataforma adjacente ao estuário A circulação no estuário do Tejo é forçada essencialmente pela maré (semi-diurna). Na embocadura a amplitude média são 2 metros, aumentando até 2.7 em situação de maré viva média. No interior do estuário a maré amplificada, atingindo os 3.5 metros. Velocidades típicas são da ordem de 1 m/s. As velocidades máximas registam-se no “corredor”, podendo atingir os 2.5 m/s em maré viva, junto à embocadura. A Figura 15 mostra uma distribuição de velocidades em enchente e a Figura 16 em vazante, numa situação de maré média. As figuras mostram que as velocidades máximas se registam no corredor. Em vazante em bem visível o jacto de saída do estuário. Este jacto induz um vórtice anticiclónico depois da embocadura, na margem norte. Este vórtice determina a circulação residual nesta região - Figura 17.
A circulação residual é intensa, com valores máximos nos extremos do corredor, onde os efeitos não-lineares são mais importantes. A figura 17 representa os caudais residuais (velocidade vezes a profundidade). Esta propriedade representa efectivamente o deslocamento residual da massa de água, sendo a variação do módulo mais regular do que a da velocidade residual e por conseguinte mais fácil de representar graficamente. Um grande vórtice residual anti-ciclónico ocupa o extremo de jusante do corredor com velocidade no sentido do interior do estuário a norte e no sentido do mar a sul. No exterior do estuário pode ver-se o jacto de saída e dois vórtices adjacentes. A água deixa o estuário pela parte sul do vórtice que ocupa a parte terminal do corredor do estuário, e entra no jacto exterior, o qual é formado pela água que deixa o estuário e pela água recirculada no exterior por acção dos dois vórtices adjacentes ao jacto, o qual é deflectido para oeste (efeito de Coriolis) formando uma corrente que contorna os Cabos Raso e da Roca e se dirige em seguida para norte. O conjunto do jacto e dos dois vórtices residuais adjacentes é típico de estuários sujeitos a maré, com embocaduras estreitas (quando comparadas com a dimensão do estuário). A assinatura do jacto e dos vórtices residuais que lhe estão associados é facilmente identificável nas distribuições de salinidade (Figura 12). A Figura 18 e seguintes mostram simulações de distribuições de traçadores lagrangeanos em três estofas de maré consecutivas. A comparação de figuras consecutivas permite visualizar a extensão da excursão de maré e a dispersão. As medidas de salinidade sugerem excursões de maré da ordem dos 10 a 15 km. A comparação da Figura 18 e da Figura 19 mostra deslocamentos dessa ordem de grandeza. A mistura é máxima no “corredor” e nas zonas vizinhas dos seus extremos. Toda a água localizada no interior do corredor em preia-mar (Figura 18) se move para o exterior em maré baixa, permitindo à água localizada em Preia-mar à entrada do corredor de se deslocar até perto da embocadura durante a vazante. A Figura 20 mostra a distribuição de traçadores em preia-mar, cerca de um dia mais tarde. A figura mostra que a água que se encontrava no corredor de saída se misturou com água do mar, estando parte dessa mistura no exterior do estuário, parte no interior. No exterior do estuário é bem visível a água que estava a norte do jacto de saída e o deslocamento da mistura em direcção ao Cabo da Roca. No interior do estuário (estuário principal) a água de renovação entra pelo norte e a que sai, sai pela margem sul, fazendo uma rotação horária. No exterior, a pluma – em forma de cogumelo - cresce sobretudo por incorporação de água transportada pelos dois vórtices residuais adjacentes ao jacto (cor rosa e cinzenta). A razão entre o volume da água incorporada pelos vórtices adjacentes ao jacto e a água exportada num ciclo de maré é uma medida da diluição da água proveniente do estuário. A grande diluição sugerida pelas distribuições de traçadores está em bom acordo com as distribuições de salinidade produzidas pelo IPIMAR (Figura 12), onde os maiores gradientes estão localizados à saída do corredor.1.2 Limite de jusante do estuário do TejoTendo em consideração as distribuições de salinidade, a circulação, a distribuição de sedimentos de fundo e o ictioplâncton pode-se definir o limite de jusante do estuário definido na Figura 21. Este limite é um limite de segurança porque considera a zona de mistura da água do estuário como fazendo parte dele. Não está em contradição com o limite morfológico (secção S. Julião da Barra – Bugio) historicamente aceite como o limite do estuário, o qual pode ser visto como “simplista”, na medida em que admite que o material que sai do estuário não volta a entrar.A circulação hidrodinâmica mostra que a água do estuário é renovada a partir da água localizada junto à costa, a qual entra no estuário durante a enchente. A análise comparativa da Figura 19 e da Figura 20 mostra que essa água se mistura com a água do corredor do estuário, voltando parte dela a sair na vazante seguinte. Esta mistura é responsável pelas propriedades da água no corredor próximas das do mar e pelos gradientes de salinidade baixos. Em termos de circulação podemos então considerar cinco zonas na embocadura do estuário: (i) Zonas que não são afectadas, nem afectam o estuário, (ii) zonas afectadas pelo estuário, mas que não o afectam (ROFI), (iii) zonas que são afectadas pelo estuário e que o podem influenciar durante a enchente, (iv) zonas que afectam o estuário em enchente, mas que não são afectadas pelo estuário e (v) zonas que estão claramente no interior do estuário. O limite proposto acima inclui no interior do estuário a zona ocupada pelo jacto de vazante, a qual é uma zona afectada pelo estuário durante a vazante e que o pode afectar durante a enchente. As zonas adjacentes a terra, por onde entra a maioria da água de renovação do estuário foram consideradas no exterior do estuário pois em termos de ictioplâncton, salinidade e de sedimentologia não faria sentido considerá-las no seu interior. De qualquer modo, em termos ambientais isso não é um risco pois são zonas balneares e por isso a sua gestão está sujeitas a condicionalismos tão ou mais restritivos que os aplicados no interior do estuário. A definição de limite jusante de um estuário não é simples. A salinidade é o traçador da água doce mais simples de medir e pode ser uma informação preciosa para a definição daquele limite. O volume de dados necessário para caracterizar as distribuições de salinidade é no entanto muito elevado. No caso do estuário do Tejo existe muita informação experimental e as conclusões fornecidas pela salinidade podem ser confrontadas com as fornecidas por outros parâmetros (ictiofauna, sedimentologia, circulação). Esta comparação elimina alguma da incerteza associada à salinidade, a qual pode apresentar variabilidade sazonal importante e gradientes verticais que retiram significado aos valores médios. A circulação é de facto o processo que determina a distribuição das propriedades e por conseguinte o limite do estuário. No caso do estuário do Tejo as conclusões extraídas das distribuições de salinidade são facilmente reconhecidas como consequência da circulação. Assim, o recurso a um modelo de transporte validado tem um valor inestimável para preencher lacunas de dados de campo. O limite do estuário foi definido como o limite do jacto de vazante usando toda a informação disponível. Este limite é um limite cauteloso, uma vez que inclui a zona de mistura associada ao jacto de vazante. De facto a zona de mistura mais intensa no estuário do Tejo inclui o jacto de vazante, o corredor e a parte do estuário principal adjacente ao corredor. |
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Figura 1
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Figura 2 |
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Figura 3 |
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Figura 6 |
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Figura 8 |
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Figura 10 |
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Figura 11 |
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Figura 12 |
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Figura 13 |
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Figura 14 |
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Figura 15 |
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Figura 16 |
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Figura 17 |
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Figura 18 |
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Figura 20 |
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Figura 21
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